terça-feira, 30 de novembro de 2010

Linguagem Visual

por Michel Sales

Motivado pelo fascínio das HQs e interesse por literatura e música, ‘Ritmos em Ação’ (revista ‘HQ poética’), nasce para expor trabalhos marcantes de músicos locais como, Ben Charles, Eliakin Rufino, Neuber Uchôa, Zeca Preto, entre outros. Poesia transformada em HQ, dando atenção devida, as letras em meio ao ritmo (lirismo, melodia) da canção.
E numa interface entre a poesia musicada dos artistas locais com as histórias em quadrinhos. Ritmos em Ação vem proporcionar ao leitor - verificar identidade local de maneira palpável - sobretudo, o discurso poético, em meio, a traços e cores diversificadas. É sua proposta mais singela!
E abrindo caminho para a imaginação - entre estrofes apanhadas sobre desenhos representativos - ‘Ritmos em Ação’ busca também, interagir com o leitor na percepção da mensagem, seja ela de um contexto urbano, interiorano, etino ou político.  Num encontro de significados curiosos - por trás de cada letra.
            E sabendo que cada poema-canção possui valor sentimental. Esta forma divertida também pretende criar gosto por escrever e compor. Pois, dentre uma e outra música (de ‘ritmo rabiscado’) a capacidade de motivação em desenhar/escrever, fundi-se a ideologias diversas (Arte sobre arte)!
            Então, observando a importância do saber, o ‘retrato’ desta comunicação precisa em detalhes numa arte que se identifica a natureza local. Seu apanhado diverso cria a oportunidade de engrandecer esta cultura.
O verbal, o visual, a intuição, a imagem - na HQ poética - seu universo é rico, de possibilidades expressivas em linguagem-psique consubstancial - universal.
Privilegiar num anexo estes aspectos lacunar-concernente de uma publicação HQ poética, deve-se considerar sua carência como reflexão acadêmico-educacional à críticas acerca de sua linguagem (poesia e nona arte).
Por esta privação do  encontro HQ-poesia, “Ritmos em Ação” surge como efeito de sorver tal ausência de ciência. Além, de servir de atração, não só aos fãs das histórias em quadrinhos, bem como, dos pesquisadores e autores desta linguagem imagístico-literária, buscando, sobretudo, uma “política” de formação consistente do saber, na consolidação da produção artística local, querendo ainda, suprir uma lacuna de artigos e textos analíticos sobre o tema.
E isto deve contribuir (mesmo que de forma tímida) eficazmente na disseminação de um material profícuo e integrado ao universo desta cultura rica - de artistas soberbos (por suas obras “poético-musicais”).
Testada em longo prazo, esta HQ poética pode ter papel também em aulas de literatura e português. Pois sua arte seqüencial propicia esta alternativa.
Dessa forma o estudante pode dispor da narrativa quadro a quadro e dramatizar idéias, imprimindo ilusão sob a noção do ritmo conjugado (relação - texto imagem). Poesia visual - ponto em que uma reflexão espontânea ganha densidade - resultado divertido. Perpetuando-a na mente.
Amantes de poesia e música se ‘deliciariam’ num grupelho de boas palavras e ‘rabiscos’ primorosos, desenvolto a cores atraentes – sob o privilégio de uma pluralidade de significados (um só significante ambíguo).
Exemplificando - na letra “Cruviana”[1] de Neuber Uchôa: “Meu chibé com carne seca te provoca”, pode ter mais de uma leitura para o significante "provoca". O modo como cada leitor interpreta "provoca" condiciona ao alimento “chibé com carne seca”, ou algo além, outros desejos. “Incita, estimula”.
Essa ambigüidade dá expressão e amplitude, assinalando que o leitor pode estabelecer sentidos. Assim, a interpretação não é “fechada”. Daí, perguntar-se: o que o poeta “quis dizer” – qual a “mensagem”?
A poesia – sua magia consistiria em progredir sem o “governo das generalizações”, diz Harold Rosenberg em A Tradição do Novo (Perspectiva, 1977). E sob a matéria-prima - HQ - que “veste” os detalhes de cada palavra na memória. O poema é um objeto súbito (Mário Quintana em Caderno H - Globo, 2006).
Pra isso (fisgar sínteses significativas em sentidos que parecem complexos), é necessário ter a memória concentrada. E Ler bons poetas é buscar estruturação, as comparações inesperadas, as dificuldades e soluções expressivas e rítmicas que encontram a reações sensoriais.


VERSOS QUADRO A QUADRO


            É possível estabelecer o lugar da poesia em quadrinhos no contexto da arte seqüencial da HQ - cruzando verbo a imagem, remete Philadelph Menezes[2] (desde a arte contemporânea):

 
A teoria estética do século 18 dividia a arte em "artes do tempo" e "artes do espaço". As artes do tempo reuniriam as formas de expressão que se desenvolvem necessariamente pela passagem do tempo, por exemplo, a música e a literatura. Seja na prosa ou na poesia, o texto necessita do tempo para se realizar, para ser lido. As artes do espaço seriam as de aparência estática: pintura, escultura (Philadelpho Menezes - revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=1…).

Porém, notou-se que sua estrutura “desmantelou-se” com o passar do tempo - paralisou no avesso de sua natureza, assim como “as artes do espaço” se transformou. A vídeo-arte, e a HQ são exemplos. E a rigor, a poesia sempre buscou isso.

“A poesia visual, fusão do texto com a imagem, realizou isso radicalmente. Mais pra artes visuais que pra texto, mais pra arte do espaço que do tempo, a poesia visual, já desde o futurismo, se exibiu sempre como a própria natureza estática da poesia” (Philadelpho Menezes - revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=1…).

E reforçando, Philadelpho demonstra que a poesia visual busca, de forma constante, incorporar produtos da cultura de massa e, que desde seu início, vem formulando os processos híbridos da arte moderna. E sob essa apropriação, a poesia visual – “bem se faz” - na arte cinematográfica e HQs.
Jornalismo em Quadrinhos
Philadelfo relata também: “Para superar a natureza estática da imagem na página, o poema procurou o movimento simulado na seqüência dos quadrinhos”, ou seja, representando a relação entre a poesia (linguagem) x HQ (visual), ele diz: “pode ser entendida como uma recuperação do discurso temporal que a própria poesia visual procurou enterrar ao radicalizar a essência de toda poesia” (Livros & Artes número 5 - 1996. Philadelpho Menezes).
As HQs podem ser compreendidas por todo tipo de leitor, desde crianças a adultos alfabetizados ou não. Pois, as imagens fazem com que o leitor se reconheça nas figuras.
E de acordo com Janice Primo Barcellos (1999, p.1):

Dentro dessa perspectiva, os quadrinhos sempre foram o espaço por excelência da representação social. Dos cenários aos enredos, passando pelos personagens, tudo nas histórias em quadrinhos pode ser visto como uma apropriação imaginativa de conceitos, valores e elementos que foram, são ou podem vir a ser aceitos como reais.


[1] Cruviana neste caso é nome de seu poema-canção (Cruviana faixa do disco “eu preciso aprender a ser pop” (2006) - Neuber Uchôa). Mas seu significado original atribui-se a tribo dos Macuxí, e quer dizer, “deusa do vento, mãe do alvorecer... que chega num tornado branco, acordando os trabalhadores das fazendas enviando-os para o trabalho. Cruviana protege a tribo dos índios guerreiros. Abençoa o povo Macuxí, trazendo chuva e fartura de alimentos”. Diz a lenda!
[2] Philadelpho Menezes (1961-2000) foi professor da PUC de São Paulo e é autor, dentre outros, de Poética e Visualidade (editora da Unicamp, 1991). Este texto foi escrito em 1996 por encomenda da revista Livros & Artes número 5, que não chegou a ir às bancas.

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